segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Ojävne


               Eu sei que existe um lobo solitário na floresta. Não posso vê-lo, mas ouço urgentemente o seu pranto longínquo. Ojävne, a anciã, aquela que nunca nasceu e nunca morreu, insinuando que nossas dores assemelhavam-se, disse que eu fosse encontrá-lo na floresta. Sem dizer como fazê-lo, mas com uma ternura penetrante no olhar, segurou a minha mão e sorriu docemente, parecendo saber as minhas perguntas. Nenhuma palavra foi dita, mas também nenhuma se fizera necessária.                Acordamos algo em nossos pensamentos e então pus-me a andar.
               A floresta era vasta e amedrontadora. Diria assemelhar-se ao coração de um homem. Não poderia haver ousadia equiparável à tentativa de desbravá-la. Como em um coração, o desbravamento é perigoso. Por debaixo das pedras estão as verdades, que não à toa estão por debaixo das pedras. Retirá-las um peso que as comprime e contêm...o que poderia causar-nos?
               O que eu vejo é de uma luz deslumbrante que corta a escuridão da noite em feixes finos e diversos, fazendo-me lembrar da única vez que vi, deitando sobre a neve, a aurora boreal. Estava com meu pai, que olhava para o céu e para mim ao mesmo tempo. Vi todas aquelas luzes esverdeadas refletindo em seus olhos e senti que aquele homem de um trato nem tão fino assim era um pedaço da beleza do universo. Deveria haver um lugar de onde nascessem mais pessoas cujos olhos refletissem o verde da aurora. Eu estava ansioso para que realmente houvesse.
               Seguindo os feixes de luz, fui vendo a curiosa forma das árvores, cada uma possuindo um contorcido diferente. Quando em par, pareciam formar um arco de galhos e folhas. Portais, talvez, saudando a quem fosse adiante. Eu estaria perdido olhando para as árvores não fosse o uivo do lobo ecoando inigualável. Lembrei que estava ali para encontrá-lo. Mesmo não sabendo o porquê, devia fazê-lo.
               Caminhei a passos rápidos, intencionando não parar de ouvir o lobo. O som era claro. Agora correndo, num misto de ansiedade e desespero, fui em direção ao rio que cortava ao meio a floresta. Tomado pelo ímpeto, o adentrei. Era raso, as ondas que formaram-se com o meu movimento atingiam a altura da minha cintura. Pude sentir o frio cortante da água à medida que meu sangue corria cada vez mais regular dentro do meu corpo. Eu estava sozinho, dentro de rio e à procura de um lobo.
               Virei-me para a superfície da água e percebi algo no meu reflexo. Não eram os traços de um garoto, e sim os de um lobo. Entendi, espantado, estar à procura de mim mesmo. Dizia-me Ojävne o quão difícil era a tarefa de encontrar a besta em si. Era preciso, antes de qualquer outra coisa, perder-se na solidão, no questionamento, no vale da tristeza sem fim. Ouvir o coração é tarefa para os surdos, que ouvem o mundo por outros meios: pela gentileza do olhar, pelo sutileza do tato. Os surdos, que são chamados pelo lobo para o meio da floresta, convidados à descoberta de si e de suas perguntas, quase sempre sem respostas. Ali, admirando-me lobo, chorei ao ver meus  olhos brilharem uma luz verde. Daquele rio nasciam pessoas cujos olhos reluziam o a aurora.
               Depois de voltar para perto de Ojävne, senti como se soubesse o que deveria ser feito. Não mais paralisado pelo medo da floresta, que era o meu coração, decidi tudo fazer, certo da capacidade de realizar tudo quanto desejar.
               
            

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