terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Zanir Caravan - Parte I

               Andamos por três noites seguidas até acharmos lugar onde fazer abrigo. Estava exausto. Luc, com seu alaúde, sustentava-nos a memória de havermos vivido dias de sol e festa sob o céu de Zanir. As mulheres do povoado rodopiavam suas longas saias coloridas no que pareciam ser reminiscências da musicalidade e espiritualidade ciganas. As crianças comiam o pão que trazíamos nas cestas e bebiam água com bastante urgência. Dos homens, por sua vez, podia-se entender pequenas lamentações. Eu os ouvia completamente quieto, prestando atenção a cada palavra, gesto ou sussurro, e algo me doía por estar longe do lugar que ousei chamar casa
              Zanir ficava ao noroeste de Cáfira, a cidade dos mercadores. Ao que tudo indica, jamais se soube de sua fundação, tampouco de seus primeiros habitantes. Havia apenas uma maneira sabida de chegar ao povoado, e era por meio da travessia do estreito de Zartre. De longe era possível temer a grandiosa árvore anciã, que saudava os que pisavam em suas terras. Lembro-me de estar sentado às margens de uma grande fogueira e escutar histórias fabulosas, quando criança. Os velhos rebuscavam a entonação a fim de atrair a atenção para o misticismo que envolvia o passado de nosso povo. Uma história, em especial, para sempre me encantou. Diziam, os velhos, que há muito nascera em Zanir uma jovem primogênita chamada Tysa, cujos olhos, negros feito a noite, jamais refletiam coisa alguma. Seu rosto era doce, branco e delicado, embora parecesse incapaz de sustentar o peso que carregava no olhar. Já crescida, mas ainda muito jovem, Tysa decidira partir do povoado. Nunca pôde deixar de notar o tom de estranhamento e receio com o qual sempre foi tratada. Por vezes esqueciam seu próprio nome e, em seu lugar, chamavam-na de Backsha, que significa semente negra em um dos três dialetos falados pelo povo de Zanir. Ao partir, Tysa levara consigo apenas três objetos: um caderno com as memórias que havia escrito da infância, uma grande bolsa para que guardasse frutas e pão, e um colar de zegot, dado às crianças primogênitas do sexo feminino. Então logo partira. Pelo que consta nas histórias contadas pelos velhos, Tysa caminhara por sete dias  e sete noites, parando eventualmente para recolher frutos ou descansar as pernas. No oitavo dia, sobremodo exausta das andanças, Tysa debruçou-se sob o leito de rio e teve o corpo levado pela correnteza, que cantava e repetia, em idioma desconhecido, a expressão: "unit esac". A melodia ecoava tristonha pelo rio abaixo enquanto levava Tysa, que tão jovem havia ido de encontro ao destino de ser para sempre singular.
               Olhei em volta. As mulheres continuavam a dançar. Constrangia-me, aquela alegria. Eu permanecia tristonho, mas não porque assim o desejava; coexistiam, dentro de mim, inúmeras faces de uma escuridão profunda, afastando-me da beleza genuína das saias. Procurei acalentar-me o coração com pensamentos que repousavam no amanhã, e no outro, e no depois. Acreditando haver esperança para o meu povo e para o meu destino, sobre a superfície de uma pedra alongada, adormeci. Naquela noite, dormimos todos agrupados. Todas as cabeças de cabelos negros debaixo do mesmo céu de estrelas.
               Mannëia já havia acordado quando dei por mim. Levantei-me em um impulso e senti dores por todo o corpo

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